Um por um

Julia Machado
2 min readJul 24, 2023

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Sozinha em meu quarto, começo a pensar e visualizar todos os “meus” espaços sem a minha presença.

Um por um.

Meu quarto, parcialmente arrumado, a cama feita, a escrivaninha cheia de papéis, repleta da minha bagunça: escova de cabelo, joias espalhadas, alguns batons, um bombom de chocolate fechado.

Um por um, sem mãos que os toquem.

No chão, meus sapatos, botas, os tênis que eu mais uso, meu chinelo favorito.

Um por um, sem pés que os calcem.

No meu guarda-roupas, fragmentos de mim, minhas roupas, meu gosto por maquiagem. Numa prateleira, meus perfumes, minha obsessão por cremes. Meu cheiro. Dentro de um frasco, nada disso é verdadeiramente meu.

Um por um, ninguém para colorir.

Em cima da cama, meu kindle, fones de ouvido, minha coberta favorita, algum casaco ou camiseta.

Um por um, sem um corpo a aquecer.

Aos poucos, também consigo visualizar outros espaços.

A cozinha, sem minha presença fuçando a geladeira, ausente a repentina vontade de fazer massa ou a sede que me desperta durante a madrugada.

A sala, sem os sons das animações japonesas e filmes que assisto, sem os cochilos desconfortáveis no sofá.

Um por um, sem a habitual sonolência.

Fora de casa, vejo meus amigos reunidos nos lugares que costumamos frequentar.

Todos estão sorrindo e se divertindo juntos, bebendo, fumando, beijando, aproveitando o brilho de uma vida despreocupada que precede o final de semana.

Um por um, todos esses lugares, sem o peso da minha presença.

Nas redes sociais, não existem fotos recentes minhas, não há mais trechos de livros, tampouco selfies narcísicas.

Não existe mais o ruído das músicas que ouço.

Um por um, tudo está em silêncio.

Um por um, em paz.

Tudo o que existe é a ausência.

Tudo o que permanece é o nada.

Em paz.

Um por um.

Finalmente, em paz.

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